A sede por espiritualidade na vida

Naquilo que escrevo me condeno!

Reconheço que a grande maioria das pessoas vivem a espiritualidade como devaneio e, por isso, existe uma (ou muitas) sede indefinida que pulsa na consciência de todo aquele que já parou para refletir tal realidade.

Vivemos uma vida pretendendo e nos aplicando a ecoar uma espiritualidade sadia. Nessa pretensão, descobrimos que não podemos ser eco de “castelos feitos no ar”. Um exemplo claro dessa construção fantasiosa é a separação entre a religião e a vida cotidiana, tornando a experiência religiosa um subdepartamento da vida como um todo (o escolasticismo é tido pelos espiritualistas como o movimento precursor desse divórcio). Assim, as discussões e demandas tão necessárias acerca da sexualidade, dos relacionamentos, da politica, das artes, da economia, da cultura em geral etc., se tornam departamentos onde a religião não toca e nem se deixa tocar. Ou seja, são entendidas como territórios pessoais – onde só podem ser acessados dependendo do momento oportuno da vida (um subjetivismo à la carte da pós-modernidade).

Esse divórcio ou subdivisão da religião com a vida me faz lembrar uma história que li sobre um ditador que represou as águas de certa cidade e, em conta gotas, liberava canalizada para a população de acordo com as necessidades. No entanto, uma represa não pode conter as muitas águas de uma vida que se libertou para além das pequenas necessidades. Um dia ruirá, começando pelas pequenas rachaduras e “trincadelas”. As águas – mesmo que paradas dentro da represa e poluídas, darão conta de vazar, extravasar buscando preencher novas fontes e se purificar.

Isso para dizer que a espiritualidade é uma sede contínua e que envolve e se desenvolve na vida. Ela não é um “hobby” pessoal como sugere a filosofia da nossa cultura. Ela se apodera da cotidianidade daqueles que lutam, suportam, pelejam pela boa vivência, o bem-viver num tempo mal vivido (ou vivido de forma incompleta). Não pense que espiritualidade é algo que se pratica apenas no fim de semana ou num grupo específico. Se for como penso, ela está além das nossas delimitações. Ela é como uma fonte que flui para toda eternidade. Ela completa seres incompletos e rompe, quando necessário, para mostrar novas fontes, patamares maiores e vida mais plena.

Não é difícil encontrar alguém descontente com sua religião (aqui, normalmente instituição). Essas se aparentam como sedentas de uma água cuja própria religião não as libera ou satisfaz. Na verdade, esse não é o papel da religião em si. Religião e espiritualidade se interligam quando, de fato, acontece o religare, quando ela te proporciona e revela a liberdade para “ecoar” sua experiência de fé, de questionar as arbitrariedades, de pensar as complexidades (que a própria religião institucionalizada não dá conta no todo – contexto maior), e, principalmente, de responder ao chamado de amor (em minha opinião, a maior sede de todos os tempos).

Sei que espiritualidade carece de definição e que engloba – como tentei apontar acima – toda a vida. Mas aqui nesse breve ensaio não quero discutir que tipo de espiritualidade devemos ter. Quero apenas lembrar que somos seres espirituais, que necessitamos de algo além que a realidade nua e crua (apesar de ser a única coisa que temos de forma concreta). Que existe no ser humano uma busca interna por sentidos e definições e, não é aprisionando essa condição, limitando ela aos dogmas impostos diariamente; que não é refreando as experiências subjetivas por um lado e, nem tornando abstratas e virtuais por outro lado, que construiremos a tão sonhada vida mística ou encontraremos a fórmula perfeita de se viver um constante religare.

Finalizo afirmando que estamos vivendo uma “crise de espiritualidade” – e não precisamos de muito para validar essa afirmação. Mas, também, apontando que o momento é propício para buscarmos o sentido da fé. Como disse na primeira frase: escrevo porque estou condenado juntamente com muitos a dar sentido a essa vida de fé!

Rafael de Campos
elfaracampos@hotmail.com
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