Cap. 1 – Minha História de Fé – “Minha Fé se Discute”

Sou filho do seu Paulo e da dona Margarete (tradicionalmente católicos), nasci em 20 de Abril de 1986, na cidade de Presidente Prudente, extremo oeste do estado de São Paulo. Não tenho lembranças de, nos primeiros anos de vida, ter sido levado à capelas ou catedrais que me remetessem à religião de meus pais. Mas, me lembro, que meus pais sempre foram oscilantes na sua expressão religiosa já que por onde quer que morássemos, tínhamos experiências das mais diversificadas.  

Nas festas de aniversário da família, meus tios contam de situações no passado em que, quando o remédio não dava jeito na criança doente, éramos levados à benzedeira, por exemplo. Também me lembro que, quando morávamos em Colíder MT (1994) frequentei os cultos de uma igreja Batista que havia ao lado da casa em que morávamos, embora meus pais, propriamente ditos, não frequentassem.  

Já em São Paulo capital (1996), tenho recordações de participarmos de cultos de uma pequena igreja evangélica, que por mudar de endereço sem avisar, acabou nos perdendo como seus frequentadores, e por isso, passamos a ir às missas de uma igreja católica que se localizava em frente a uma das praças do bairro Jd. Quarto Centenário (na zona leste). Foi ali que fiz a minha “primeira comunhão” (termo que designa um ritual católico que dá ao indivíduo a possibilidade de comer da hóstia ofertada pelas mãos do padre na missa, sendo ela mesma crida como transubstanciação do corpo de Cristo).  

Anos depois, em Campo Grande MS (1999) novamente essa hibridização aconteceu. Ora em cultos protestantes, ora nas missas católicas, só que agora houve um detalhe a mais, foi um período de enraizamento um pouco maior na participação na igreja católica do bairro Jd. São Conrado onde eu tocava, cantava, recebíamos cestas básicas da comunidade (como auxílio por causa do desemprego de meu pai) e foi ali que fiz a “crisma” (ritual católico que simboliza a confirmação do batismo experimentado quando criança). 

Tudo em mim, nesse tempo, tinha a ver com as experiências religiosas de meus pais; como pré-adolescente, eu os acompanhava e participava em cada uma de suas peregrinações religiosas, provido de uma parca consciência e de algumas, elogiadas, habilidades musicais ensinadas e estimuladas por meu pai. 

Até que em 2001, por causa de dificuldades financeiras que enfrentávamos na época, meu pai recebeu uma proposta de emprego oferecida por minha tia Lourdes (sua irmã e empresária no ramo de calçados); ao aceita-la acabou resultando em nossa volta a Presidente Prudente SP, minha cidade natal.  

Meu pai viajou primeiro para ajeitar os detalhes da mudança, já minha mãe, meus irmãos (Paula e Leandro) e eu ficamos em Campo Grande MS por mais alguns dias, até que tudo estivesse pronto e pudéssemos fazer a viagem. Me lembro muito bem de uma certa noite, às vésperas de viajarmos para Presidente Prudente SP, já na cama com luzes apagadas, prestes a dormir, eu disse à minha mãe: “Quando chegarmos lá, quero muito ir na igreja (evangélica) da tia Rose”, e minha mãe rebateu, dizendo: “Xiiiii, acho que isso não vai dar certo!”.  

Chegando lá, meu pai já estava frequentando uma igreja evangélica (estimulado por sua irmã) mas, minha mãe, pretendendo permanecer no catolicismo, iniciou uma série de discussões para chegarem em um acordo sobre como seria a vida religiosa deles a partir dali. Me lembro de brigas, ameaças de divórcio, problemas conjugais emulados por uma mistura de ciúmes e convicções religiosas. Decidiram, depois de muito tempo, por fim, permanecerem católicos. 

Paralelamente a isso, sendo um adolescente de 16 anos, comecei a visitar várias igrejas que meus tios frequentavam: Igreja Casa de Oração e Igreja Nova Jerusalém (ambas evangélicas), mas não me identifiquei com nenhuma delas. Até que perguntei à minha prima Camila se eu poderia participar de uma reunião com ela, na pequenina Igreja Evangélica Reviver (onde ela frequentava), localizada na Avenida Coronel J. S. Marcondes, próximo ao Parque de Uso Múltiplo, ao que ela me levou e gostei muito. Foi justamente ali que iniciou um processo, muito interessante, de desenvolvimento da minha consciência de fé.  

Não posso, de forma alguma, deixar de ser grato ou ignorar o fato de que aprendi muito no catolicismo: nas missas, nas liturgias, nas campanhas da fraternidade, nas festas e encenações da via sacra e nas catequeses que participei. Mas, é certo que o aprofundamento do estudo bíblico, propriamente dito, se deu, principalmente, nesse encontro com o universo evangélico, sob a mentoria da Ruth Medeiros, que foi me orientando, num tempo de muitas dúvidas (inerentes à adolescência e início da juventude). 

Ruth, que tinha uma história passada na Igreja Evangélica Avivamento Bíblico (igreja evangélica de vertente pentecostal), resolveu voltar a frequentá-la, e eu resolvi segui-la para lá (mesmo sem saber como era). E foi nesse momento que um “boom” de percepção aconteceu dentro de mim, o que chamo de: minha experiência com Deus! Não foi, meramente, uma conversão ao protestantismo (embora, esse fosse o contexto em que me encontrava), mas sim a Jesus, de fato. 

Digo isso, pois as consequências dessa experiência ultrapassavam as reuniões eclesiásticas e os limites daquela denominação religiosa em questão, elas tocavam o mais profundo do meu ser, alterando meus valores, pensamentos, ideias e jeito de ser, inclusive no meu trabalho, relacionamentos e família. 

O que aconteceu ali, foi fruto de um processo de muitas sementes lançadas no meu coração por muito tempo, e por diversas pessoas. Sem falar nas orações e atos de paciência dispensados a mim, pelas mesmas, me ensinando sobre Jesus ao longo de toda a vida.  

Não foi nada fácil compartilhar essa nova realidade com meus pais a princípio. Houveram muitas brigas, já que eles haviam decidido permanecer no catolicismo, e o choque não foi apenas pela mudança de religião, mas também pelo fato de estarem percebendo que eu estava tomando minhas primeiras decisões independentemente de suas vontades.  

É o choque da ruptura que todos os pais e filhos precisam enfrentar: os filhos crescem (mesmo que os pais não gostem disso), passam a pensar por si próprios, e algumas diferenças acabam se manifestando levando um tempo para eles digerirem toda essa nova realidade. Não foi diferente com a gente! 

Confesso que lidar com aquilo não foi nada fácil, especialmente por se tratar de um jovem, que se sentia incompreendido (como todo bom jovem), que tinha respostas para tudo, e que por causa dos obstáculos impostos dentro de casa acabei me tornando sob muitos aspectos, chato, crítico de tudo e de todos, ao mesmo tempo que, crescia dentro de mim uma avidez pelo estudo da Bíblia, uma contundente persistência naquilo que havia acontecido dentro de mim como explosão de fé.  

Fui batizado pela primeira vez em uma igreja evangélica, no dia 26 Julho de 2003 (por ironia, no aniversário de minha mãe) pelo pastor Onésimo Ferreira da Silva, numa noite fria de inverno (somente minha tia Rose estava presente), e ali comecei um processo de muitos aprendizados frequentando as reuniões de domingo à noite, indo às Escolas Bíblicas Dominicais, me envolvendo no ministério de música, de células (que são reuniões com grupos menores nas casas), e com os grupos de jovens, adolescentes e de oração daquela comunidade. Nesse tempo, pessoas muito queridas me auxiliaram conjuntamente para que eu amadurecesse como pessoa e em minha fé, das quais gostaria de citar o pastor Onésimo, o Adriano, a Deyna, o Gilson Polidório, o Xandão e a Juliana, dentre outros muito queridos.  

Dois anos depois, em 2005, recebi a oportunidade de, pela primeira vez, pregar em um culto de jovens. Me lembro até hoje de que, naquela oportunidade, falei sobre a conversão do Apóstolo Paulo, como aquilo transformou profundamente a vida dele e quais eram suas implicações para nossas vidas, uma vez que nos reconhecíamos convertidos da mesma forma que ele. Devo ter guardado em algum lugar, o esboço daquela mensagem. 

Nos anos seguintes foi ficando claro para mim que a minha vocação era a de cuidar de pessoas, pois eu me identificava profundamente, não apenas com o exercício de falar em público sobre a fé, mas principalmente com o exercício de lidar com as pessoas em suas dores, angústias, doenças, questionamentos e limitações. Ao mesmo tempo, ardia dentro de mim o desejo de visitar outras cidades e países com o anúncio (proclamado) do evangelho e oferecer serviços em amor que pudessem ajuda-los em suas necessidades. No contexto religioso em que estava, isso era chamado de ministério do “Pastorado” e de “Missões”. 

Já em 2007, decidi abrir mão da minha profissão, como professor de informática e me tornei secretário daquela instituição religiosa (Igreja Evangélica Avivamento Bíblico), onde fiquei por 4 anos. Minha intenção era clara: me capacitar melhor no exercício do pastorado, pois uma das minhas funções ali, envolveria um contato mais próximo com o pastor daquela comunidade. Aprendi muitas coisas boas nesse tempo, pelo qual sou muito grato!  

Comecei um curso de capacitação ministerial pelo Seminário Evangélico Avivamento Bíblico (SEAB), e entrei de cabeça nos estudos sobre teologia nos seus mais diversos aspectos. 

Nesse mesmo ano comecei a ajudar o pastor de uma igreja evangélica em Álvares Machado SP como seu auxiliar, pouco tempo depois fui transferido para ajudar na inauguração de um grupo no bairro Ana Jacinta em Presidente Prudente SP e em 2008, após o meu casamento em Julho com Thalita (que futuramente lançarei um livro sobre isso), assumi a primeira comunidade como presbítero, justamente em Álvares Machado SP (onde havia auxiliado anteriormente). 

No ano de 2010, comecei a cuidar simultaneamente à comunidade em Álvares Machado SP e de uma comunidade em Alfredo Marcondes SP. Me lembro muito bem de Thalita e eu, em cima de uma moto Honda 150cc, fazendo viagens a semana inteira, enfrentando sol e chuva para realizar as reuniões e estudos bíblicos com muito amor. Em 2011, fui direcionado à outra comunidade no Parque dos Pinheiros, bairro de Álvares Machado SP, abrindo mão das duas anteriores. 

Foi justamente nesse tempo, tendo concluído o curso pelo SEAB e sido ordenado oficialmente, presbítero da denominação, que comecei a analisar mais profundamente os conteúdos daquilo que eu cri, ensinei e reproduzi todos aqueles anos (e logicamente, essa reflexão passou por uma avaliação de como a denominação evangélica entendia certos assuntos relacionados à fé). Isso foi inevitável. 

Foi lendo livros, estudando e assistindo vídeos de pensadores cristãos como Ed René Kivitz (pastor da Igreja Batista), Caio Fábio (fundador do Caminho da Graça), Ricardo Gondim (pastor da Igreja Betesda), Ariovaldo Ramos (pastor da Igreja Reformada), dentre outros, que perguntas foram surgindo no meu coração e que, minha atual religiosidade não mais respondia a contento.  

A princípio, meu objetivo não era me desligar da denominação que fazia parte, nem das pessoas que tinha o privilégio de cuidar na função pastoral (afinal de contas, estávamos em 2013 e portanto haviam 10 anos que fazia parte daquilo tudo, já havia construído uma história ali), porém, depois que fui procurado por um dos líderes da região, com a orientação de ter de fazer determinadas campanhas para melhorar a arrecadação financeira do povo, minha consciência ficou em cheque! O que antes não era um problema pra mim, pela minha antiga maneira de pensar, agora, por outro lado, me pesou o coração, me entristeceu, me deixou numa encruzilhada, já que havia algum tempo que não acreditava mais na coerência daquelas campanhas.  

Nessa nova consciência tal proposta foi tão forte, que apesar de toda história construída ali, eu não podia simplesmente ignorar que tudo aquilo era totalmente contra o que eu acreditava; foi aí então que, numa conversa com minha esposa, decidimos juntos abrir mão da minha posição pastoral naquela denominação e enfrentar todas as consequências financeiras, psicológicas e sociais daquele afastamento. 

O ano de 2014 foi um dos anos mais difíceis da minha vida. Muitos dos que se diziam meus amigos, e que frequentavam nossa casa como parte de nossa família se afastaram, era como se tivéssemos virado o diabo da noite para o dia. Restaram poucas pessoas que quiseram conversar conosco, entender o processo e nos ajudar na adaptação e nessa nova caminhada. Sou obrigado pela minha consciência a citar mais uma vez o meu amigo Xandão e sua esposa Juliana, o meu primo e melhor amigo Rafael de Campos, o Richard e sua namorada Fabiana, o meu querido Bruninho, a irmã Célia e seu esposo Jair, a querida Jaqueline Soares e o meu amigo do coração Vitor Dalben, esses e alguns poucos demonstraram claramente que a nossa amizade sempre deveria prevalecer independentemente de nossas escolhas religiosas, políticas ou mudança de endereço. Graças a Deus por esses humanos-anjos! 

Só para abrir um parêntese, estou propositalmente fazendo um resumo de todos os acontecimentos, sem me ater a muitas histórias, visto que alguns detalhes serão tratados nos próximos capítulos, em meio às reflexões que estão por vir. 

Eu não tenho dúvidas de que algo muito profundo, puro e verdadeiro tinha acontecido comigo em 2003, na minha relação com Deus. Sei disso pois, isso de fato mudou para sempre os paradigmas e as estruturas do meu ser. Até hoje tudo aquilo ecoa no meu interior e continuará ecoando por toda a eternidade.  

No entanto, reconheço também, que a adesão àquela tradição de pensamento, em especial, daquela denominação que eu fazia parte adicionada às ideologias que a cultura gospel, presente no Brasil, imprimiam em mim, acabei me tornando um religioso fanático, sectarista (aquele que sempre está certo e salvo, sendo os contrários sempre errados e condenados ao inferno), pouco aberto ao diálogo, centralizador, pragmático, julgador da fé alheia e, principalmente, inseguro e fechado em relação as compreensões de mundo existentes em toda a história do pensamento humano. Tanto era assim que, por muitas vezes, fui capaz de abrir mão de cuidar da minha família para atender as demandas da minha religião. Tudo com a melhor das intenções, porém sinceramente enganado.  

Para resumir, eu cria como se Deus só falasse por meio da Bíblia e aos domingos à noite pela boca do pregador, pensava que evangelizar era a ação de, pelo “poder do Espírito” convencer pessoas à aderirem às ideias da minha denominação, e mais, para mim ministérios eram os cargos existentes dentro das estruturas religiosas, dar os dízimos eram obrigação, conforme o Antigo Testamento, sob a pena de ser infiel e alcançado pelas maldições descritas na lei, e por aí vai. 

Eu poderia ocupar muitas linhas citando os diversos pensamentos que me habitaram boa parte dos primeiros anos de minha experiência na espiritualidade, emuladas pelo contexto religioso da qual fazia parte naquele momento, mas por ora, prefiro me ater a esses poucos pois, vou tratar com mais detalhes, desses e de outras crenças, nos próximos capítulos, de forma mais embasada e completa.  

Esse pano de fundo oferece os contextos necessários para começarmos a pensar nas ideias que permeavam meus pensamentos na época, além as afirmações categóricas que ouvia de líderes religiosos que me influenciavam (e que eu abraçava como sendo verdades absolutas) e as experiências práticas que me levaram a um novo modo de pensar. 


Essa versão é apenas uma prévia, ou seja, não coincide com a integralidade do que será publicado no Livro. Justamente por isso, além do grupo de curadores do livro (pessoas que estão me ajudando a, melhor expressar as ideias contidas nele), gostaria de suas opiniões e contribuições também nos comentários desse post, pelo qual agradeço imensamente!

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Obrigado

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Rodrigo Campos
Um Caminhante Aprendiz

 

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