Game of Thrones – Porque é bom!

No final da sexta temporada, Cercei Lannister, numa conversa com uma das religiosas que a torturaram numa das tramas da série, disse o seguinte:

“Confesse, era bom bater em mim, me deixar passar fome, me assustar e me humilhar. Não o fizeram porque se importavam com minha expiação. Vocês o fizeram porque era bom. Eu entendo. Faço coisas porque é bom. Eu bebo porque é bom. Eu matei meu marido porque foi bom me livrar dele. Eu transei com meu irmão porque é bom senti-lo dentro de mim. Eu minto sobre transar com meu irmão porque é bom manter nosso filho seguro de hipocrisias odiosas. Matei seu Alto Pardal e os seus pardais, todos os septões, todas suas septãs, todos seus soldados sujos, porque foi bom vê-los queimando. Foi bom imaginar o choque e a dor deles. Nenhum pensamento me deu tanta alegria. Até confessar é bom sob as circunstâncias certas”.

Todas as vezes que canalizamos todas as nossas frustrações a qualquer que seja a prática da maldade, nos sentimos, ainda que temporariamente, muito bem! Nossa mente consegue criar justificativas impensáveis para os atos mais inescrupulosos, ainda que pareça impossível, somos capazes de construir roteiros convenientes cheios de aparente razão, fundamentado em falácias, só para não nos sentirmos os piores monstros possíveis.

Por isso, certas atitudes maldosas se tornam culturais, ficam impregnadas no inconsciente coletivo, e passamos a praticar sem nenhuma reflexão e sentindo prazer mesmo tendo o pior saindo de nós. Isso revela que nossa mente está cauterizada, petrificada, insensibilizada, profundamente comprometida com o não arrependimento e com a indiferença do que o outro sente. Fazemos simplesmente porque para nós, é bom, é prazeroso, é conveniente, nos beneficia, nos traz vantagens primárias e secundárias.

Cercei Lannister, obviamente é a personagem que representa o extremo dessa condição, mesmo assim, que formos corajosos o suficiente para fazermos uma auto-análise, perceberemos muito desse espírito agindo em nós, vivendo a partir do próprio ventre, dos próprios apetites, sem pensar em nenhum tipo de consequência, fazendo de si mesmo referência de todas as coisas, tornando-nos deuses de nós mesmos.

A gente faz isso quando pega o estuprador na rua, e juntamos uma multidão ao redor para promover “justiça”. Não é justiça, é canalização das nossas frustrações nomeando-o inimigo e causador da nossa infelicidade, por isso somos brutais. Não fazemos justiça, nós nos vingamos por todas as perguntas não respondidas, por todos os nossos choros não consolados, por todas as nossas perdas não restituídas, por todas as nossas raivas internalizadas, e o resultado é sempre desastroso. Fazemos isso porque nos é “bom”.

A gente faz isso quando transfere nossas infelicidades ao cônjuge, aos filhos, ao professor da escola, ao político do Congresso, ao vizinho barulhento, ao amigo que está em dias difíceis, ao cachorro que fez xixi nas plantas. É prazeroso falar mal do outro, elencando-o como diabo, porque nos dá a impressão prazerosa de que estamos acima do bem e do mal. É bom estar acima dessas pessoas. Difícil é estar ao seu lado!

Só se mata de lado de fora quando já o matamos no nosso coração. Você pensa que a lista de pessoas mortas em nós é pequena? Basta se lembrar de quem não queremos ver nem pintados de outro, basta trazer à memória aqueles que não queremos ver simplesmente porque já detonamos com sua reputação, espalhando nosso veneno aos outros. O tópico era política, futebol, religião, casamento mas no fundo, era nosso desejo de se sobressair, era nosso orgulho, matamos porque somos maus e porque nos sentimos bem.

Ver o outro se dando mal porque não ouviu nossos conselhos, porque não crê como cremos, porque não partilha do mesmo posicionamento político, nos dá muito prazer, pois indiretamente tal sofrimento atesta a nossa verdade, nos promove, nos coloca por cima. E como disse a música: Quem não me ajudou a passar pela provação, vai estar na platéia e eu no palco, vai se arrepender. Estar no palco nos é muito prazeroso, principalmente porque tem alguém inferior a nós, no palco, assistindo nossa vitória. Porque é bom!

Rodrigo Campos
Um Caminhante Aprendiz

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