Azulecer

O que fazer com um dia azulado senão deixar-me conduzir pela paz? O anil tem o poder de me levar até os braços da imperturbabilidade. Se azul é cor espremida no espectro entre o verde e o violeta, também sou tom que ocupa um estreito fiapo da luz. Sou efêmero e vasto; caibo no céu e numa joia turquesa; estou na asa do pássaro e no aço.

Quando me sinto envolvido pelo tom que colore o índigo, a vida parece acalmada. Reluto para nunca tornar-me indiferente à beleza do verbo azulecer. Prefiro me enamorar das profundezas marinhas que no rasteiro dos verdes mares – o mar marinho fica distante da costa. Pertenço aos tons que condizem com as funduras.

Conjugo o verbo azulear no intento de traduzir minha cor em poesia. Azulejar também serve – comunica vontade de libertar os olhos da sujeira que contamina consciências. Gente incolor me assusta. Da alma, peço que se mantenha serena para poder espelhar o céu. No azul, busco a serenidade do ribeiro, que mesmo represado entre pequenas pedras, contém a vastidão que abriga o sol.

Azulejo e alto vivo. Peço que meus pensamentos nunca cedam, e eu me veja arrastado no redemoinho das perversidades escuras. Não ressinto em me sentir apenas como uma fatia do arco-íris. Basta-me que a coloração do meu ser não reflita o matiz dos espíritos mesquinhos.

Amanheci com a sensação de que todo o pensamento feliz vem colorido de céu. Assim, despertei, contemplei o mundo pela janela e decidi dispensar o ruço que antecede a madrugada. Quero tingir de anilina o viver. Azulejo a minha história por esperar a bonança. Quero aquarelar as horas com docilidade.

Se envernizar alguns momentos com o tom da paz, talvez a gentileza venha junto.

Azulo a vida e alimento o fascínio pelas alturas, já que nasci com a eternidade no peito.

Soli Deo Gloria

Ricardo Gondim
www.ricardogondim.com.br
ricardogondim

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