A sabedoria de contar os próprios dias

Nunca foi tão importante tratar a respeito da sabedoria, como o é em nosso tempo. Vivemos dias de muita ansiedade, pressa, acúmulo de compromissos, expectativas sociais que nos pressionam, sem falar da ditadura da informação que tenta nos obrigar a saber de tudo e de todos o tempo todo sob a pena de nos tornarmos desatualizados e ultrapassados caso nos recursarmos a ela.

Temos um celular que nos atrai cada vez mais a atenção; sem perceber nossa capacidade de comunicação direta, face a face está sofrendo alterações extremamente negativas; estamos quase que o tempo todo conectados com o mundo todo, mas em algumas instâncias bastante desconectados de nós mesmos (o que, em minha opinião, é um dos maiores desastres).

Repito e insisto: nunca foi tão importante tratar a respeito da sabedoria, como o é em nosso tempo.

Sabedoria não é acumular informações e ser a personificação do Google na vida, mas sim saber usar o conhecimento que possui afim de viver bem e suprido de significados. Sabedoria não é preencher os requisitos em prol do sucesso (nos moldes atuais), mas sim encontrar o equilíbrio na relação consigo mesmo, com as pessoas ao redor, com a natureza e a paz com Deus.

A verdadeira sabedoria não é uma fórmula para se dar bem, no que tange à necessidade de se mostrar maior e melhor do que os outros, alimentando a mórbida competição entre seres humanos (algo aceito como natural e necessário); pelo contrário, a sabedoria também implica em promover o bem do outro, em contribuir para um mundo melhor, sobretudo, iniciando a partir do nosso próprio mundo, o nosso mundo interior que é de todos o mais desafiador.

O Salmista orou: Ensina-nos a contar os nossos dias para que o nosso coração alcance sabedoria. Sl. 90:12

Contar os dias fala da compreensão do tempo, das estações, das fases, dos momentos, fala da nossa percepção acerca da forma como a nossa vida transcorre. Os dias são muito corridos, e por fim esquecidos. Vivemos um ano como se fossem poucos dias, a maioria de nós tem mais desafios no dia do que as 24h. que nos foi dada são capazes de dar conta da demanda. Contar os dias significa lidar com cada dia de forma única, compreender o dia de hoje dentro do todo, ter consciência do específico que compõe a realidade maior e mais abrangente. Contar os dias fala de levar em consideração o aprendizado que o tempo nos proporcionou e não nos esquecermos de tudo o que até aqui recebemos como lição da vida.

Quem aprendeu a contar os próprios dias não vive no piloto automático, age e decide com consciência e passa as próprias palavras e ações pelo crivo dos valores, da experiência e do bom senso. Quem conta os próprios dias não é precipitado, não faz as coisas “no atropelo”, não leva a vida como se o único objetivo é chegar vivo no final do dia, ou seja, sobreviver.

Jesus ensinou que basta a cada dia o seu próprio mal e que portanto não existe nenhum tipo de construção ou benefício na ansiedade. Jesus não estava ensinando uma técnica de auto-ajuda, Ele estava apontando para a sabedoria divina de “confiar no cuidado do Pai”. Somos tão vidrados em nos esforçarmos para conseguir as coisas (já que é assim que aprendemos desde criança a fazer), que nos esquecemos que há uma dimensão indispensável para a vida que envolve o descanso, o desfrute e o trabalho em estado de pacificação.

A sabedoria do contar próprios dias está aliada à capacidade de aquietar a alma das suas ansiedades pela simples confiança no amor de Deus. O amor lança fora todo o medo, disse o apóstolo João; e uma vida cujos fantasmas não mais nos assombram é exatamente o tipo de vida capaz de experimentar a sabedoria que nos faz contar os próprios dias.

Se nossa relação consigo mesmos está quebrada, desajustada e desequilibrada toda a nossa interpretação a respeito da vida será afetada, e com isso nossos sentimentos e percepções estarão comprometidos. É impossível cultivarmos a verdadeira felicidade tomados pela culpa, pelo medo, pelas neuroses, pela visão embaçada da realidade; não há felicidade vivendo longe do protagonismo da nossa história, nos movimentando em torno dos sonhos de nossos pais, professores, orientadores e amigos.

A sabedoria está em contar os nossos próprios dias e não os dos outros, é assumir a própria história, é encontrar o próprio lugar na vida, é partir da compreensão de que a armadura que serve no outro nem sempre serve para nós visto que vivemos em realidades diferentes sob vários aspectos. Davi só foi capaz de vencer o gigante Golias, quando deixou a armadura pesada de Saul de lado e foi no riacho e pegou algumas pedrinhas (com as quais estava habituado a lidar). Com isso estou dizendo que não há lições a tirar dos erros e acertos dos outros? É evidente que não. Concordo com o provérbio chinês que ensina que “sábio é aquele que aprende com os erros dos outros”. No entanto, precisamos nos reconciliar com nosso próprio passado e presente, é imprescindível fazer um balanço da nossa trajetória até aqui e entender que cada dia e cada decisão estamos, conscientes ou inconscientemente, escrevendo mais e mais páginas no livro de nossa história e para isso é preciso sabedoria.

Contar os nossos dias ou simplesmente passar pelos nossos dias sem percepções da realidade? Fazer movimentos de mudança consciente ou deixar que os fluxos sociais nos conduzam e nos moldem segundo a imagem e semelhança das preferências do mercado? Construir sabiamente o próprio caráter ou ser liquidificado pela conveniência e pelas ansiedades que nos apressam em tudo e nos fazem nos precipitarmos nas palavras e ações?

Eu quero aprender a contar os meus dias de tal maneira a encontrar um coração sábio; desejo isso ardentemente.

Rodrigo Campos
Um Caminhante Aprendiz
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2 comentários sobre “A sabedoria de contar os próprios dias

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