A prática comunitária #2 – Mínimo Necessário

Quais são as condições necessárias para chamarmos um agrupamento de pessoas de Igreja de Jesus? Existe um modelo que poderíamos sacralizar, divinizar ou chamar de “mínimo necessário” para que se configure como sendo Igreja?

Alguns diriam que um ajuntamento só é Igreja se estiver oficialmente ligado a uma denominação já existente e com o mínimo de doze pessoas (fazendo alusão aos doze apóstolos). Outros incluiriam nessa definição a necessidade de ter um local oficial e fixo para as reuniões (um salão, um galpão alugado ou comprado pelo grupo). Outros ainda trariam como resposta o fato de que o grupo, no mínimo, deve ter uma reunião por semana. Há ainda quem diria que uma comunidade só é caracterizada como Igreja se ela possuir uma divisão de ministérios, uma cartilha com as doutrinas aceitas como verdadeiras, um estatuto com as regras e condutas que se espera que se cumpram pelas pessoas, uma data estabelecida para batismos e ceias, além de eventos e programações relacionadas a ação social e evangelização.

As opiniões oscilam bastante, porém, sempre permeiam esses assuntos: número de pessoas, local de reunião, doutrinas e tarefas a serem executadas.

Se olharmos bem para os evangelhos, como Jesus responderia a essa pergunta? Em relação ao número de pessoas que compõem uma comunidade ele disse que “onde dois ou três reunidos em nome Dele, Ele está no meio”. Quanto à frequência e ao local, Ele disse que chegou o tempo em que a adoração prestada ao Pai deve ser em “espírito e em verdade”, mostrando que não há locais sagrados e locais não-sagrados, não há momentos sagrados e momentos não-sagrados, a espiritualidade deve ser vivida em todo lugar onde quer que possamos carregar o nosso espírito e a partir da preservação da verdade em todo e qualquer âmbito da vida, ou seja, em sua integralidade. Paulo traduziu esse ensino dizendo “quer comais, quer bebais, ou façais qualquer outra coisa, façam tudo para a glória de Deus”. Além disso, na própria Escritura está a afirmação de que “O Deus que fez o mundo e tudo que nele há, sendo Senhor do céu e da terra, não habita em templos feitos por mãos de homens”. Agora, falando de eventos, tarefas e doutrinas, Jesus deixou claro que o evento e a tarefa da Igreja é a necessidade do nosso próximo (o caído na beira do caminho, o endemoninhado, o doente, o preso, o estrangeiro, o excluído, o ignorante, etc) e a doutrina é o amor (ame o próximo como eu vos amei).

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Que modelo nos resta? Em que tipo de comunidade devemos nos espelhar? Alguém dirá: “na Igreja primitiva”! Pois bem, minha pergunta diante dessa afirmação é: Devemos nos reunir nas casas e na parte pública dos templos judaicos (como no início), nos sepulcros e cavernas (como nos momentos de perseguição) ou nos templos pagãos fixos cedidos aos cristãos por Constantino (como no Império Romano)? Qual a liturgia que deveria ser sacralizada, visto que não há detalhes exatos da liturgia adotada pela Igreja primitiva? Se pensarmos no fato de que nossas reuniões oficiais atuais em nada se parecem com o que havia nas reuniões da Igreja primitiva, essa argumentação por si só perde o seu poder de se sustentar.

Todos igualmente, da Igreja primitiva até a Igreja atual, têm uma única base de referência que visa guiar a prática comunitária: o ensino de Jesus e a relevância da interpretação e da doutrina dos apóstolos.

Temos que admitir que nossas afirmações tácitas e dogmatizadas (em relação a modelos) de que: “só é Igreja se o modelo adotado for igual ao adotado pelas denominações evangélicas atuais”, é insuficiente e não põe um ponto final na discussão. Quando fazemos uma análise histórica e uma simples averiguação das transformações que ao longo de toda a história da cristandade tem acontecido no que diz respeito à “doutrina, liturgia, ênfases e modos de administração dos grupos de fiéis”, se mantermos nossa posição radical, inevitavelmente teremos que dizer erradamente que ou eles estavam todos errados e nós somos os únicos certos ou vice-versa. Acredito que ninguém teria essa coragem, embora na prática, muitas vezes, seja isso que esteja implícito.

Não me parece que Jesus tenha vindo fundar uma religião ou aquilo que chamamos em nosso tempo de cultura gospel. Você não encontrará nas palavras de Jesus palavras do tipo: controlem o Corpo de Cristo, determinem o que eles devem ou não fazer, as músicas que devem ou não ouvir, os filmes que devem ou não assistir, nem vemos Jesus dizer que quem não frequentar suas reuniões oficiais devem ser tidos como incrédulos, etc. Aliás, Jesus nem trata da criação de um sistema oficial estabelecido por um ou dois e obedecido pelos demais. Mas nós fizemos isso!

Ouça o áudio abaixo:

Nós criamos o nosso padrão de qualidade espiritual, nós fechamos o evangelho numa caixa muito pequena de percepção, num pacote bastante contraditório, criamos uma cultura religiosa fortíssima, exigimos a aderência total ao que está posto (pela via da imposição) tendo a morte da fé como consequência da recusa ao que criamos, nós menosprezamos e rotulamos os que não aderem ao nosso jeito de ser comunidade, criamos exigências do tipo: se não vier no domingo a noite, se não depositar suas ofertas no nosso gazofilácio, se não aderir aos nossos eventos, cargos e doutrinas, é porque está esfriando na fé e deve ser tratado como um desviado precisando de arrependimento.

Fizemos muitas vítimas a partir dessas nossas infelizes pregações, machucamos muitos com aquilo que Jesus jamais recomendou que fizéssemos. Sutilmente transformamos o que era para ser um encontro comunitário em torno do amor num show de vaidades, obrigações religiosas e um infeliz discurso de julgamento e desrespeito. Não é de se admirar que, num número cada vez mais crescente, hajam tantas pessoas cansadas dos nossos modelos e sistemas.

Uma coisa é comungar em uma comunidade por livre escolha, outra coisa é se vincular institucionalmente e se submeter às tutelas e coberturas espirituais tiranas.

Fujo de quem quer tutelar minha vidas em nome do Evangelho.

O Evangelho me põe de pé e me instrui pra caminhar no chão da vida com minhas próprias pernas e segundo minha própria consciência em Cristo.

O Evangelho me coloca entre os que com o Evangelho se identificam e juntos, uns aos outros, se edificam, se cuidam, se encorajam, se instruem.

Sem tutelas personalizadas, antes, ao redor da mesa com amigos espirituais onde há espaços confiáveis de escutas, onde se busca relacionamentos qualitativos e se pratica uma espiritualidade sadia.

Assim vou melhorando como ser humano e melhorando no desempenho dos papéis que preciso desemprenhar no chão da vida.

Carlos Bregantim

Ouça o depoimento de três irmãos (Caio Fábio, Ricardo Gondim e Ariovaldo Ramos, narrado por Ed Rene Kivitz) que declararam sua angústia com aquilo com a qual a igreja se transformou – Ouça

deixando a igreja

Pra Jesus, o mínimo necessário são dois ou três reunidos em seu nome, servindo, amando, proclamando as boas novas. Simples assim! Você consegue suportar essa simplicidade? Ou sua lista infindável de exigências não te permite? Talvez você me perguntaria: Mas e o batismo e a ceia? E eu responderia: o batismo só pode ser realizado em meio a um grande número de pessoas? Só quem é chamado de pastor pode batizar? Onde aprendemos isso? De Jesus ou das nossas doutrinas sem fundamento? E quanto a ceia, segundo Jesus ela é necessariamente um quadradinho de pão com um “tiquinho” de suco de uva ou originalmente era uma refeição (como na Páscoa – com mesa farta) onde a memória do que ele fez seria antes de tudo parte de um banquete espiritual compartilhado entre os irmãos até que Ele venha? Será que não precisamos pensar melhor esses temas?

Vamos ser sinceros? Será mesmo que as complexidades e burocracias denominacionais (com a qual a maioria de nós está envolvido) tem nos ajudado a entender e crescer no significado do que é viver em Cristo ou estamos colocando diante das pessoas, as estruturas organizacionais como mediadoras do relacionamento entre Deus e os homens? Enquanto Jesus disse que Ele próprio é o Caminho pra se chegar ao Pai, muitos de nós estamos afirmando (explicitamente e implicitamente) que as nossas estruturas organizacionais institucionais são o único caminho pra se conhecer a Jesus, mas insisto em apelar pela simplicidade, ainda que pareça chato; você consegue concordar com Jesus quando Ele disse que: “onde quer que dois ou três estejam reunidos em meu nome, ali estarei no meio deles”? Ou você teria ressalvas e acréscimos a fazer à palavra de Jesus?

Admitir e levar essas realidades até as últimas consequências causa medo na maioria das pessoas religiosas de nosso tempo. Primeiro, que nós gostamos de ser “mão” no Corpo de Cristo ao mesmo tempo que gostamos de controlar a “perna” e o “olho” do Corpo. Gostamos de fazer gestão dos membros, como se fôssemos a cabeça do Corpo, mas não somos! Essas reflexões são tidas como ameaçadoras a muitos, pois descentraliza o “poder” (que segundo Jesus jamais deveria nem sequer existir em nosso meio, visto que somos irmãos do mesmo Pai). Admitir isso libertaria aqueles que estão viciados em tarefas religiosas e que perderam o seu significado espiritual há muito tempo e os chamaria a um novo jeito de caminhar (e isso é bastante desconfortável). Dizer sim a essa reflexão causa angústia aos que se pensam salvos pelos méritos que possuem por obedecerem a todas as regras congregacionais que lhe são impostas. Isso tira o chão de muita gente, especialmente dos que cujo olhar só contempla o universo religioso oficial. Jesus quer erradicar o nosso medo de pensar, refletir, questionar, analisar e reter apenas aquilo que é bom. Isso catapulta a cada um de nós a uma relação pessoal com o Pai cujo único mediador é Jesus Cristo, o homem.

Pra mim, Jesus deixou posto o mínimo necessário, que é que dois seres humanos, seguidores de Jesus, voluntariamente (por amor e não por obrigação) se reúnam para crescerem na consciência da vontade de Deus expressa por Jesus que é a imagem exata do ser de Deus; tudo o mais, todo o restante será consequência dessa motivação e dessa caminhada; nesse ambiente simples e singelo, nesse encontro sem complicações já há uma verdadeira expressão da Igreja de Cristo, esse é o ponto de partida. Mas, e se esses dois se tornarem trinta ou quarenta? O que devem fazer? Isso já é conversa para outro momento.

Por enquanto, nosso tema se restringe a entendermos basicamente o que seja o considerado “mínimo necessário” para chamarmos um ajuntamento de pessoas de Igreja de Jesus, e é claro que essa nossa tentativa de conceituar isso não pode sair de outra fonte que não seja o próprio Jesus, já que a Igreja é Dele e não nossa. Há muitas coisas que tentaremos desenvolver a partir desse ponto, e é isso que faremos nas próximas postagens da série “A prática comunitária”.

E você, o que achou da reflexão? Simplista demais? Você teria muitos argumentos a acrescentar? Qual é o “mínimo necessário” pra você? Discorda de algumas coisas e gostaria de colocar sua posição? Faça isso, com toda liberdade, postando o seu comentário e ampliando a discussão desse tema a partir desse ambiente. Eu lerei com atenção e tentarei responder os comentários feitos.

Rodrigo Campos
Um Caminhante Aprendiz
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18 comentários sobre “A prática comunitária #2 – Mínimo Necessário

  1. Rodrigo, bom dia…levantando agora uma ênfase nessa questão do serviço, da tarefa da igreja…Vc não ve também como uma necessidade o convívio social ao ser humano? Somos um ser social, e muitas vezes a dificuldade de sair do “sistema”organizacional vem exatamente desse fato. Ter um alvo diante de um grupo, e trabalharem em conjunto para isso me parece algo de nossa natureza e tao essencial pra nossa alma como o próprio alimento fisico. Vc não acha que muitas vezes qdo falamos em serviço, acabamos entendendo o mesmo como ajuda aos pobres materialmente, sendo que, no entanto, existem outras pobrezas e necessidades que a igreja tb pode e tem o dever de suprir? Obrigada mais uma vez por sua disposição, por seus textos e pesquisas, que tem sido de uma imensa ajuda de amor para todos nós!

    1. Olá Cláudia. O convívio social é totalmente necessário. O chamado de Jesus não é ao isolamento, nem ao ensimesmamento. O problema está em pensar que só há convívio saudável e frutífero em organizações e em ajuntamentos de multidões. Frequentemente temos muito mais confiança para abrir o coração com qualidade e sinceridade em grupos menores, de pessoas amigas e que andam juntas. Nós fomos chamados a atender as pessoas em qualquer que seja a dificuldade, tratá-las como se fossem o próprio Jesus, devemos fazer isso individualmente (essa é a nossa responsabilidade), e se há outros caminhando com a gente e possuem a mesma disposição, podemos fazer isso em conjunto (contanto que não haja constrangimento ou imposição). Abraço Cláudia

  2. Evangelho puro e simples, foi pra isso que Cristo veio, nos tirar dos laços da religiosidade, nos dar vida em abundância!
    Que busquemos a prática da caminhanda, sempre rm direção ao nosso semelhante, mais não esquecendo, Ele habita em nós!!!!!
    Abraços fraternos irmão em Cristo !!!!!!

  3. muito boa reflexão. não há necessidade de estar dentro de um templo ou participar de suas demandas para saciar a sede do próximo, e não me limito à sede como necessidade física-corporal de alguém q não tem o q beber, mas tb à sede psicológica; sede de afeto, de misericórdia, de justiça, de Amor e Verdade; sede de sentir-se de fato importante para alguém, ou da simples reciprocidade no trato gentil e educado no dia-a-dia, q pode fazer muita diferença em sua existência.

    1. Nós fomos tão condicionados a modelos e sistemas, Abner, que as vezes a única coisa que nosso horizonte contempla é exatamente essa dimensão da “frequencia, adesão a eventos, etc”. Há muito mais do que isso para se lidar, experimentar e viver. Até porque, o evento, a reunião é um “momento” da semana, e fomos chamados a viver o amor na “integralidade” da vida.

  4. Nenhum argumento a Acrescentar, concordo com cada palavra… O simples sempre me atraiu , os padrões das igrejas nunca me prenderam, por que no meu entendimento o Deus que eu sirvo me deu liberdade… Liberdade no servir a ele…conforme a vontade e a palavra do senhor !!

    1. A simplicidade tem se tornado a maior heresia de nosso tempo. Os complexismos tecnológicos, ideológicos e religiosos estão nos condicionando a inibir toda a nossa capacidade de descomplicar a existência e se satisfazer ao lidar com as coisas simples da vida. Uma reunião simples, com relacionamentos autênticos, sem megalomania, sem missões extraordinárias, só cultivando o amor, o acolhimento e o crescimento no graça e no conhecimento de Jesus é um verdadeiro milagre.

  5. Pois bem Rodrigo eu penso que o mínimo necessário sou eu mesma me conhecendo e conhecendo Jesus no todo e novo dia após dia..
    Eu tive experiência com denominação que se diz igreja e foram um desastre total, lamentável que não tem nada haver com amor…essa semana mesmo estava refletindo é pensando..
    Quantas e quantas vezes o grupo na igreja pedia oração para o irmão do lado , mas no fundo regozijando com seu sofrimento.
    Quantas vezes eu vi líderes brigar ,magoar é ofender por causa de um púlpito,
    Quantas vezes eu vi novo convertido sendo julgado desprezado por que achava que não estava totalmente liberto.
    Quantas vezes eu vi irmãos passando por dificuldades e sendo desprezados..
    Ah não casa aqui a minha queixa do que presenciei…e todos falam tem que olhar pra Jesus !aff ,os líderes não precisa olhar pra Jesus? Quando eu frequentava igreja os próprios membros não olhava na minha cara a gente boa o olhar de ódio ,e eu pensava o que eu fiz com ele ??? Aí vem a comparação hoje reuno com vários amigos final de semana pra conversar tomar uma cerveja e pelo menos a gente vê sinceridade quando alguém diz ,cadê você ??sem você não tem graça e quando se comenta uma dificuldade todos se cala refletindo em como dar a opinião..
    .E não adianta falar ah mas você não procurou a igreja certa, todas elas são iguais..

  6. Enfim estou feliz Deus tem realizado grandes milagres me mostrando grades descobertas no que se diz igreja…estou vivendo um dia de cada vez sem pânico do que pode vir a acontecer porque aprendi a confiar no amor do pai e estar contente em qualquer situação…

  7. Ótima explanação, sempre muito sabia.as suas palavras, como disse meu pai: “A vida é andar”, então ande meu irmão amigo. Abraços

  8. A igreja, de acordo com Jesus, é a comunhão de dois ou três em seu nome, e em qualquer lugar. É um encontro com Deus e com o próximo, cuidar uns dos outros. É ter a vida no caminho de Cristo. Eu tô cansada do sistema religioso perverso, da tirania que nos manipula e nos machuca. Cheguei a adoecer dentro do sistema religiosa. Hoje, entrego-me nas mãos de Deus!

  9. Olá queridos, paz seja com todos. É bem verdade que o homem é um ser sociável, encontros com pessoas quer particular, quer em grupos são importantes, mas não a necessidade absoluta da alma. Tudo é uma questão de momentos. Jesus muitas vezes retirava-se do meio das multidões pa4a está a sós com o Pai. Faço parte de um grupo que compartilha a fé, temos encontros no prédio da instituição e em casas, acredito que são importantes desde que seja com verdade. Mas também acredito na espiritualidade daqueles que não vivem dessa forma, sem reuniões, sem obrigações, sem tarefas específicas e coisas desse tipo, e vivem o Evangelho numa dimensão muito mais amadurecida que muitos que estão em instituições. Em resumo não importa se você participa de encontros ou simplesmente vive o Evangelho no chão da existência, desde que tudo seja pela fé e dando gloria a Deus por isso. Abraços a todos.

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